Autora convidada: Marcela Nascimento Fernandes
Vamos recapitular o que se entende por contrato originário: o limite das liberdades individuais para que seja possível uma vida em sociedade a partir de princípios universais da razão; princípios que são a base de toda as leis de uma sociedade, leis que formam uma constituição civil.
De modo algum este contrato originário deve ser entendido como um acordo feito pelos homens após uma deliberação (já que não é resultado de escolhas) ou como o resultado de um somatório das vontades em comum – aliás, este tipo caracterizaria o contrato tal como proposto por Hobbes, que se originaria de um motivo empírico antecipado pela razão e não legislado a priori por ela, a saber: o medo da morte.
Para Thomas Hobbes, os seres humanos não têm em sua natureza a disposição para viver em sociedade, mas reconhecem que permanecer em um estado de natureza (estado selvagem) é prejudicial a sua vida e por isso abrem mão dos seus direitos naturais (exceto o de proteger a própria vida) dando a um soberano absoluto o pleno poder de organizar, como bem entender, o modo de vida de seus súditos.
Enquanto para Kant a medida da verdade é a razão (onde um contrato deve buscar fundamento/legitimidade), de onde provém toda a autoridade exercida por um chefe de Estado – o que significa dizer que ele não está acima dela – para Hobbes é a autoridade (poder) do soberano que o faz ser a verdade e portanto o fundamento das leis que ele exerce arbitrariamente sobre a sociedade (o soberano é a lei; ele é o Estado).
Em síntese, podemos dizer que todo o pensamento de Kant se erige sobre a idéia de liberdade, e conseqüentemente de autonomia, da razão. Só essa liberdade deve ser o fundamento para que as ações humanas possam se desenvolver e evoluir autonomamente, seja no âmbito moral, político ou cosmopolita, rumo ao propósito da Natureza: a paz perpétua. E nesse seu projeto filosófico, Kant percebe que a Natureza não faz nada em vão.
De tudo que muniu o ser humano (razão, sensibilidade, anatomia complexa e organizada) assim fez porque disso iria depender a realização de seu plano. Portanto, todas as relações mais agressivas seja entre indivíduos ou entre Estados (insociabilidade) fará com que eles (indivíduos ou Estados) cheguem a um acordo (sociabilidade) mútuo para salvaguardar a integridade física e moral (os direitos naturais inalienáveis) de todos, de cada parte envolvida.
Um acordo que por envolver todos precisa ser fundamentado por princípios que prontamente sejam aceitos universalmente, princípios a priori da razão: o contrato originário. Eis aí a relação entre a idéia da insociável sociabilidade e o contrato originário no pensamento político de Kant.
Marcela Fernandes é Mestra em Filosofia pela UERJ. Autora da dissertação de mestrado "Ceticismo e relativismo moral em Diderot".
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