JollyRoger 80´s

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sábado, 9 de abril de 2011

Cristo Redentor. A História de um dos símbolos da cidade do Rio de Janeiro


A estátua do Cristo Redentor na cidade do Rio de Janeiro completou 80 anos em 2011. Será que a sociedade brasileira (e principalmente a carioca) consegue imaginar a paisagem da cidade sem a famosa estátua? Ou tem ideia de todo o processo complexo e curioso de sua construção?


A pesquisadora Lucia Grinberg afirma que a estátua do Cristo Redentor, além de ser o Cartão postal da cidade, representa o Rio de Janeiro como um todo. É usado pelas agências de turismo que vendem a sua imagem atrelada com a da cidade. O que, de fato acontece, o monumento do Cristo, realmente faz parte da vida cotidiana do carioca. Ele se apresenta como uma das maiores referências espaciais da cidade e sua charge é usada freqüentemente nos jornais e inspirou o nome de um dos blocos carnavalescos mais tradicionais, o Suvaco do Cristo.

O padre jesuíta francês, Padre Bos foi o dono da idéia original da construção de um monumento em homenagem a Jesus Cristo no pico do morro do Corcovado. O Círculo Católico do Rio de Janeiro consistia numa associação leiga onde reuniam-se intelectuais católicos. Em 1921 surge A Ordem, revista do movimento católico, que se instalara na Rua Rodrigo Silva. A mesma da sede do Circulo Católico. Este parece ter sido uma associação estreitamente ligada ao Vaticano.

Durante os primeiros anos da República não eram raros as reuniões e conferências sobre catolicismo nacional no Círculo Católico e é justamente dele a iniciativa para a construção do Cristo. Em Carta Pastoral enviada à Arquidiocese de Olinda, D.Sebastião Leme alertava para ausência de ação católica, para o fato de não terem muita influência no regime público. Critica a falta de compreensão de seus deveres sociais e pelo não exercício de hábitos de propaganda.

Depois da proclamação da República tem-se a ruptura entre o Estado e a Igreja Católica. O historiador José Murilo de Carvalho ressalta a intensa batalha de símbolos e alegorias, intimamente ligadas às batalhas ideológica e política ocorridas nas décadas iniciais da República. Período de embates pela ocupação do espaço público onde a Igreja não ficou de fora.

O projeto do Cristo foi uma de suas estratégias. Aproveitando-se do ano da comemoração do centenário da Independência, 1922, D.Sebastião Leme promove a realização do Primeiro Congresso Eucarístico Nacional, como forma de homenagem. Tinha como objetivo inventar e fortificar o lugar da Igreja e da religião católica na vida nacional republicana. Porém, nem todos eram a favor da construção do monumento.

Jackson de Figueiredo, que dirigia a revista A Ordem, não via com simpatia o projeto e admitiu ter participado de uma das suas comissões de construção pelo “dever” de ajudar o episcopado. Acreditava que o esforço não era uma obra de caráter prático.

Lembrou aos que apoiavam o projeto que o então presidente Epitácio Pessoa negou a licença para a construção e criticou duramente a República, acusando-a de estranhar as tradições nacionais e seu espírito histórico ressaltando que o Estado havia sido monárquico e o catolicismo a religião oficial.

D. Sebastião Leme queria a afirmação do catolicismo na base do enfrentamento enxergando como alternativa viável para participação na vida pública, a formação de um partido católico. Tipo de projeto que nunca foi significativo no Brasil. No entanto, em 1922 a construção é autorizada pelo presidente Arthur Bernardes após o parecer favorável do consultor geral da República.

O Estado e a Igreja dão início a uma nova fase de relacionamento, sendo que a última pretende cada vez mais se aproximar e participar do Estado, pois almeja ter um alcance nacional. A construção é defendida por José Maria Mac Dowell no Congresso Eucarístico em 1922, onde ele apresenta o catolicismo como parte fundadora e fundamento da sociedade brasileira.


A Comissão Arquidiocesana do Monumento ao Cristo é formada para cuidar da execução da obra. É dado à obra um caráter nacional, assim como a participação da população, é vista como um exemplo de patriotismo. Os organizadores ressaltam que uma obra nacional deveria ter a participação de todos. Estratégia eficiente de redução de custos. Uma interessante proposta de Mac Dowell foi a de que a potente máquina da Igreja fosse utilizada no recebimento do tostão nacional.

A arrecadação irradiaria para as dioceses e destas para os respectivos vigários. Um dos maiores objetivos do projeto era colocar os brasileiros focados numa ação comum cujo propósito fosse católico. No discurso utilizado, os termos “católico” e “brasileiro” acabam sendo propositalmente usados como sinônimos.

A imprensa católica começa a trabalhar com a questão da “maioria”. Conceito que teve origem na teoria da representação política, e foi largamente utilizado pelos católicos como forma de legitimar o fortalecimento da Igreja na República. Usam o modelo de representação política próprio da República, que baseia-se na maioria em sua defesa de que o público deve ser católico. Isso se traduz numa idéia de representação baseado na identidade religiosa, onde a nação católica precede o cidadão republicano.

O governo consulta autoridades francesas sobre a Estátua da Liberdade, que foi um presente do governo francês aos Estados Unidos. Na batalha das simbologias temos as opiniões do Padre Assis Memória que contrapõe a Estátua de Cristo à Estátua da Liberdade. A estátua em Nova Iorque representaria a liberdade republicana enquanto a liberdade verdadeira estaria expressa na cruz do Redentor.



À liberdade republicana a Igreja contrapõe a redenção católica, numa disputa pelo significado de liberdade. Procuram transformar os valores religiosos em valores nacionais. Na República de Arthur Bernardes, os valores difundidos e apoiados pelo Estado não são cívicos, mas católicos e religiosos.

O Cristo Redentor, mesmo sendo uma imagem religiosa, é dotado de elementos que o afastam da estatuária sacra e da arte sacra em geral. Foi concebido para um espaço aberto numa escala própria com vias de torná-lo parte integrante da paisagem da cidade. Esse foi o objetivo do empreendimento: o Cristo deveria atingir todos os cidadãos.

Rolando Azzi em um artigo sobre a devoção à Cristo apresenta os diversos tipos de devoções. O Cristo sofredor, o Bom Jesus é a imagem de devoção do período colonial (centrado na Paixão e Morte); a devoção ao Coração de Jesus corresponde a meados do século XIX (centrado na Paixão de Cristo). Nos anos 20, o Papa Pio XI visa a ampliação da presença da Igreja na vida social através da doutrina do Cristo-Rei. Essa é a doutrina do Cristo glorioso, ressuscitado, poderoso, acima de tudo e de todos, dotado de um poder supremo. Essa imagem seria transformada em estátua.

Um júri foi formado para o recebimento de idéias e propostas para construção. Militantes católicos decidiriam o local, dimensão e a figura representada; os artistas a dimensão plástica. O projeto vencedor do militante e engenheiro Heitor da Silva Costa ficou conhecido como o “Cristo da bola” devido ao cetro e ao globo segurados pelo Cristo.

Símbolos civis usados na representação de monarcas e chefes de Estado, apropriados pela iconografia religiosa para representar o Cristo-Rei. Foi criticado no meio artístico pelo chamado “grupo dos modernos” onde estavam Graça Aranha e outros. No final, a obra foi feita pelo escultor francês Paul Landowski, sob o risco original do italiano Lélio Landucci.

Este estava no Rio em 1923 colaborando com Landowski, para apresentar um projeto no concurso ao Monumento à Proclamação da República, por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Afirmou que Afrânio Peixoto, Coelho Neto e Flexa Ribeiro (professor de História da Arte da Escola Nacional de Belas Artes) gostaram de seu projeto e pediram que se interessasse pelo Cristo. Landucci e Bigod (outro colaborador de Landowski) estudaram a localização, analisaram projetos e esboçaram detalhes.

Destes estudos minuciosos, Landowski fez a estátua sem nem mesmo ter vindo ao Brasil. Expressou sua concepção de como deveria ser o monumento no texto Exposição dos fatores morais, estéticos e técnicos determinantes da melhor solução pela sua concordância simultânea. Os braços abertos assemelha-se à imagem bíblica do “Senhor erguendo a Sua Destra”. Estes ao formarem a cruz, ligam o simbologia cristã com um etilo déco: “ritmo vertical das pregas da túnica, os rasgos retos do rosto, ângulos sempre limpos”.

Os braços abertos configurou-se de maneira original na iconografia do Cristo, na medida em que foi representado em forma de cruz, mas além de não estar crucificado se impõe de maneira gloriosa e abençoando toda a população. A autora ressalta que a inauguração é observada como expoente da política de pressão e cooperação da Igreja católica sobre o Estado.

Considera a hipótese de se discutir a respeito de uma estética de acúmulo de símbolos. Por exemplo, a inauguração se deu em 12 de outubro de 1931. Dia considerado como o do descobrimento da América, ou seja, os festejos para a estátua podem ser encarados como a comemoração de um descobrimento.

Na última semana de outubro têm-se a festa do Cristo-Rei e em 3 de outubro, o aniversario da Revolução de 30. A encíclica do Papa Pio XI parece ser a responsável pela data das festas. A comissão promotora do evento avisou pelos jornais que na cerimônia de inauguração só iriam autoridades, eclesiásticas e civis. Apesar de solicitar que bancos, comércio e indústria fechassem suas portas para que os funcionários participassem, assim como toda a população.

Dessa maneira, a Igreja expunha seu poder e força na cidade, incentivando a todos tornarem pública sua catolicidade. Pela imprensa a cerimônia foi tratada como um evento nacional através de manchetes, fotos panorâmicas, artigos, crônicas e poesias (assinadas em sua maioria por intelectuais católicos).

Ocorreu uma relação recíproca de monumentalização. A estátua tornou o Corcovado, o Rio e o Brasil sagrados e abençoados. Mas o fator crucial foi a localização, porque a cidade já era conhecida e admirada por sua geografia exuberante e exótica. Para a cidade o Cristo tornou-se um marco, um sinal que impõe sobre o cotidiano da cidade a religião.

Sua forma de cruz a qualifica ainda mais como um marco, no sentido de que se tem a cruz como um sinal de território conquistado. Ela limita o espaço como localidade católica. Em sua criação tinha-se como meta a celebração do mito de origem da nação, do descobrimento da Terra Santa, do mesmo modo que enraizar um presente católico face à república laica.


* Resenha do capítulo 4 República Católica do livro "Cidade Vaidosa: Imagens Urbanas do Rio de Janeiro" organizado por Paulo Knauss

3 comentários:

  1. Nos leva a perguntar se Bispo Macedo e sua rede de televisão são mesmo uma novidade tão grande...

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  2. Exatamente! Nada se cria tudo se copia! rs
    Brincadeiras à parte, achei o capítulo desse livro muito interessante. Nada mais natural do que compartilhar por aqui.

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  3. Há 80 anos... direto do Túnel do Tempo.

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